• Siga-nos em nossas redes sociais:
terça-feira, 29/10/2002
Livros

“Livros… livros à mão cheia”

“O maior acontecimento de minha vida foi, sem sombra de dúvida, a biblioteca de meu pai”. A frase impactante e, ao mesmo tempo, grandiosa, por tudo o que traz implícita, […]

“O maior acontecimento de minha vida foi, sem sombra de dúvida, a biblioteca de meu pai”. A frase impactante e, ao mesmo tempo, grandiosa, por tudo o que traz implícita, foi proferida pelo escritor argentino Jorge Luis Borges. Sua paixão pelos livros seguiu avassaladora até o final de sua vida, quando já estava cego e dependente de amigos ou familiares que liam para ele todos os dias. Borges sofria de um problema congênito na visão, proveniente de seus ascendentes paternos. Mesmo assim, isso não foi empecilho para que ele se tornasse um dos maiores escritores de todos os tempos, autor de preciosidades como Ficções e O Aleph. Todavia, sua história poderia ter sido outra se, desde menino, não tivesse tido acesso ao maravilhoso e encantado mundo dos livros. Clássicos como As mil e uma noites ajudaram a fazer com que o menino tímido e retraído da Buenos Aires romântica do início do século XX pudesse dar asas a uma imaginação já privilegiada, originando o escritor fenomenal em que se transformaria mais tarde.

Mudemos, agora, de cenário. Brasil. Recife. No conto Felicidade Clandestina, Clarice Lispector narra, de forma primorosa, o sofrimento de uma menina pobre cujo sonho era ler Reinações de Narizinho, clássico de Monteiro Lobato. No final da narrativa, após ter conseguido seu tão desejado exemplar, a menina permanece abraçada com o livro, em êxtase, sem abri-lo por um bom tempo, tamanho é o seu respeito e admiração pelo tesouro recém-adquirido.

Entre os grandes escritores, o que não faltam são histórias relatando o amor que devotavam aos livros, ao conhecimento, ao aprendizado… O que seria desses homens e mulheres das letras não fosse o contato precoce com a literatura? Teriam eles seguido rumos diferentes? Teriam se tornado os grandes mestres que conhecemos? Possivelmente, não.

Daí a importância crucial das escolas incentivarem a leitura e a familiarização dos estudantes com o espaço fantástico que são as bibliotecas. Cabe aos diretores e professores organizarem visitas das classes a esses centros do saber em suas escolas. A prática, com certeza, fará toda a diferença na vida das crianças e adolescentes. Para os mais novos, podem ser organizados leituras de histórias em rodas, com direito a interatividade e atividades que, já em sala de aula, complementem o trabalho iniciado na biblioteca.

Quando o assunto é o estímulo à leitura, o governo tem feito a sua parte por meio de programas como o Leia Mais e campanhas como Tempo de Leitura. Só o Leia Mais beneficiou mais de 2 milhões de alunos do ensino médio com 3 milhões de livros de literatura. Foram investidos 20 milhões de reais com o envolvimento de 1.245 escritores e 1.934 títulos diferentes para a escolha das próprias escolas.

Já a campanha Tempo de Leitura teve como palavra-chave o compartilhamento. Mais de 8,5 milhões de alunos do Brasil inteiro, de 4ª e 5ª séries do Ensino Fundamental, levaram para casa uma das seis coleções compostas de cinco volumes do projeto Literatura em Minha Casa, do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

O PNBE está disponibilizando 30 títulos literários diferentes, contabilizando um total de 12,18 milhões de coleções. Livros de Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Ângela Lago. Luís Fernando Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, Oscar Wilde, Mark Twain, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e outros escritores e poetas nacionais e internacionais vão fazer parte da biblioteca particular dos alunos.

Parafraseando Monteiro Lobato: um país se faz com homens e com livros. É assim que se constrói o futuro e se garante as novas gerações, uma sociedade e um mundo mais condizente com o sonho de todos os grandes escritores e poetas.

O verdadeiro educador deve trabalhar em seus aprendizes o desenvolvimento desses valores. Este texto tem como objetivo ser um convite para que reflitamos sobre livros, bibliotecas, sonhos e o quanto eles podem ser fundamentais na vida de nossos alunos. E para que esse trabalho seja feito com o máximo de inspiração e amor, nada melhor do que lembrar um trecho do poema O Livro e a América, de Castro Alves: “Oh, Bendito o que semeia/Livros… livros à mão cheia…/E mando o povo pensar!/O livro caindo n’alma/É gérmen – que faz a palma,/É chuva – que faz o mar”.

Gabriel Chalita, 33 anos, é secretário de Estado da Educação de São Paulo. Doutor em Direito, Comunicação e Semiótica e professor da PUC-SP.