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segunda-feira, 19/09/2005
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Com tecnologia, ‘aula-castigo’ vira prêmio para os alunos

Uso de computadores e softwares especiais em aulas de recuperação estimula estudantes na rede estadual David Moisés Os alunos da Escola Afiz Gebara querem ficar de recuperação. Desde o ano […]

Uso de computadores e softwares especiais em aulas de recuperação estimula estudantes na rede estadual

David Moisés

Os alunos da Escola Afiz Gebara querem ficar de recuperação. Desde o ano passado as crianças da 5ª e da 6ª séries deste colégio estadual em Capão Bonito, na Grande São Paulo, deixaram de caçoar dos colegas convocados para o reforço escolar e começaram a vê-los como privilegiados que têm aulas especiais com computadores e softwares divertidos. A maioria excluída quase se rebelou. Muitos planejaram tirar notas baixas, de propósito, para entrar nas duas turmas de 18 alunos que fazem o reforço em matemática e língua portuguesa.

Mães batem à porta de dona Renata, a diretora, para tentar encaixar os filhos. Afinal, os meninos e as meninas da recuperação estavam tirando notas melhores nas provas regulares. André Quartaroli, por exemplo, tinha no ano passado um boletim sangrento. “Cheguei a ter cinco notas vermelhas, na faixa de 3 a 5”, conta o garoto de 13 anos que “não sabia escrever direito as palavras”. O reforço foi para ele tão estimulante que seu desempenho chegou a ultrapassar o de alguns colegas da 6ª série, levando-o para a 7ª neste ano.

“Mas a melhora não aparece só nas notas, aparece também na participação nas aulas, na iniciativa, na criatividade”, diz a diretora Renata da Rocha Silva. “O que chama atenção no reforço é o aumento da auto-estima dos alunos, o fim da negatividade, e isso abre espaço para aprender mais.”

RELAÇÃO MELHOR

O que há de especial no programa é a tecnologia aliada a uma nova postura do professor. “Hoje competimos com TV e games e a tecnologia na sala de aula atrai o aluno, faz com que ele comece a querer trabalhar com a matemática, com as palavras”, explica Silene Kuin , que coordena o treinamento de professores para o reforço em língua portuguesa. “Com os softwares, o professor deixa de ser um passador de matéria e vira um mediador-estimulador do aluno, a relação melhora muito.”

O Programa de Reforço Escolar com uso de Tecnologias, desenvolvido pela Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE) para a rede estadual paulista, usa dois softwares: Trilha de Letras, para língua portuguesa, e Números em Ação, para matemática. Ambos têm mais de 30 atividades preparadas para dois meses de reforço.

Números em Ação desafia o aluno a jogar o jogo da velha usando somas e a usar uma calculadora que não tem a tecla 6, por exemplo. E convida a inventar um sistema numérico, como o romano ou o arábico. “O programa privilegia as estratégias de cálculo, estimula a representação matemática e, principalmente, valoriza o conhecimento que a criança já tem”, diz Wolgram Marialva, da FDE.

Trilha de Letras começa com formas de apresentação pessoal – entre amigos ou numa entrevista para emprego – e conduz a turma à produção intensiva de textos. Ao longo das aulas os alunos vão produzir desde histórias em quadrinhos até uma revista. “Às vezes ficamos na apresentação pessoal por duas ou três aulas, porque falar sobre si é uma experiência importante para crianças que normalmente se sentem desvalorizadas”, diz Patrícia Soares, que treina professores na região de Birigüi.

GAME

Os softwares estão sendo usados, segundo Silene, onde só os softwares podem fazer a diferença: em simulações, na elaboração de projetos, nos cálculos e registros, na escrita e correção em grupo. Os programas permitem errar e consertar tudo muitas vezes, permitem ver uma germinação em ritmo acelerado e também desenvolver projetos complexos.

Em Capão Bonito, as crianças usaram os conteúdos de português e matemática para desenvolver um game em que os jogadores compram carros – levando em conta até o IPVA – e participam de uma corrida. Dá para entender por que os alunos do reforço deixaram de faltar.

Aliás, alguns até cabularam aulas regulares, mas nunca o reforço, dado sempre no período oposto ao do horário normal. A diretora Renata compreende, mas mantém as normas e exige esforço em sala de aula. Ela também gostaria que os recursos do programa fossem oferecidos a todos os seus 2.240 alunos de ensino fundamental e médio, mas acha que ainda vai levar “de três a cinco anos” para que as aulas regulares fiquem tão interessantes quanto as do reforço.

Por enquanto, a escola conta com 11 computadores e tem de selecionar entre os estudantes apenas aqueles 36 que realmente precisam de “algo mais” para vencer suas dificuldades. A antiga diretora, Maria Aparecida Aguiar, que instituiu o programa na escola, no 1º semestre, vê a experiência como um “teste para saber se este é um caminho que a escola realmente pretende seguir”. Até agora, a resposta é sim.

Atividades dependem dos professores

Não há mágica nos dois softwares que servem de plataforma para este bem-sucedido programa de reforço escolar. Ambos são simples, diretos na exposição dos conteúdos e nas instruções para exercícios, muitos deles feitos em versões enxutas de editor de texto e data-show no Trilha de Letras e no Números em Ação. Cada software é distribuído às escolas num CD acompanhado de extenso material impresso de orientação do professor para o planejamento e a condução das atividades. Aliás, se há mágica na melhora do desempenho dos alunos, está no bom preparo dos professores para as aulas.

“A tecnologia não é nada sem o professor que saiba usá-la”, explica Silene Kuin[…], que coordena a capacitação para uso do Trilha. “O software é uma ferramenta, como o giz e o quadro, que em muitas situações dão conta do recado.” A questão é saber usar a tecnologia. Desde 2004, quando o programa de reforço começou a ser testado, professores de 89 diretorias regionais da Secretaria de Estado da Educação passaram a receber treinamento para serem tutores em suas cidades, formando outros professores de escolas interessadas – e que tenham pelo menos dez computadores. O período de testes serviu também para calibrar melhor o conteúdo dos softwares, dando-lhes maior densidade pedagógica e tornando-os mais atrativos para as crianças.

A fabricante dos softwares, a mineira Info Educacional, absorveu as sugestões e emplacou uma boa encomenda para este ano. Os CDs do Trilha vão para 1.178 escolas atender 34.800 alunos e os Números vão para 1.104 escolas e 31.300, num contrato de R$ 2,240 milhões – incluindo licenças. Em 2004, na fase piloto, foram envolvidas 1.107 escolas no total.[…]

D.M.