Na EE José Lins do Rego, o Escola da Família é um exemplo de que a boa convivência é possível
Manhã de sol forte de um sábado de primavera no Jardim Ângela, bairro da Zona Sul de São Paulo que já foi conhecido como a região mais violenta do mundo. Do lado de dentro dos muros da EE José Lins do Rego, nada lembrava a referência que já foi tão marcante na história daquele bairro. Jovens na quadra de vôlei, outros totalmente absorvidos pelo tabuleiro de xadrez, e mais alguns montando os tatames que amorteceriam as quedas do treinamento de judô confirmavam que trazer a comunidade para as salas e quadras das escolas públicas estaduais tem rendido bons frutos para todo mundo.
A José Lins do Rego é uma das mais de cinco mil escolas que abrem suas portas, todo fim de semana, para que o Programa Escola da Família cumpra seu ritual de aproximar escola, alunos, pais e comunidade. Para tanto, preenchem o fim de semana com inúmeras atividades, conduzidas por educadores profissionais, universitários bolsistas e voluntários, que formam um contingente incansável de aprendizes e orientadores, que já motivaram mais de 140 milhões de participações desde o início do Escola da Família, em agosto de 2003.
Na sala onde Ivone Aparecida de Almeida Reuter, bolsista de Letras, conduz a oficina de informática, crianças e adultos desvendavam o mundo mágico cibernético. Lado a lado, Osíris Tereza Silva, 50 anos, e Bruno de Lima Martins, 10 anos, cada um usando um computador, viviam as emoções das descobertas e percebiam que ser avó e neto não fazia a menor diferença naquela hora. Há um mês, a avó decidiu que era hora de aprender a digitar e sabia que na Lins ela poderia ter a aula tão sonhada. “Afinal”, diz ela, o mundo agora é computador e quando eu puder, vou comprar um”. E com ela levou o neto Bruno, que só sabe dizer que “é muito legal aprender junto com a minha avó”.
Edileuza dos Santos Polli tem 44 anos e também é aluna de Ivone. Terceiro ano de Magistério, ela sabe que terá mais chance de se inscrever como estagiária de Educação Profissional se souber digitação. “Estou unindo o útil ao agradável, porque esse aprendizado também vai permitir que eu entregue os trabalhos do Magistério todos digitados. Posso fazer isso no computador de alguma amiga ou mesmo aqui, em outros horários em que a sala não esteja cheia”, diz ela.
Cerca de 700 pessoas circulam pela EE José Lins do Rego, por fim de semana, conforme observa Ítalo Cardoso Tarantino, que já trabalhava na instituição, como professor de Matemática, e há um ano é educador profissional. “O que mais faz lotar a escola é a oficina de axé, que acontece depois do almoço, e chega a levar para a quadra cerca de 200 pessoas”. Nas outras salas, universitários bolsistas, como Roberto Pereira e Rita de Cássia Gomes, usam seus conhecimentos de Educação Artística e Pedagogia, respectivamente, para envolver crianças e jovens com as oficinas de xilogravura, pintura, desenho livre, dança e jogos. O lúdico e o criativo ganham espaço entre alunos, parentes e até pessoas de outros bairros.
Todos da paz
Outro motivo de grande movimentação nas salas da EE Lins do Rego, no sábado, dia 5, era o encontro de representantes do Fórum de Grêmios da Zona Sul, reunidos pelo Instituto Sou da Paz, parceira da escola em vários projetos, entre eles o Grêmio Em Forma, que já se espalhou por mais 37 escolas. O coordenador da Área de Juventude e Segurança, Daniel Cara, é um entusiasta desse trabalho, que no Jardim Ângela se criou principalmente para encontrar alternativas de a comunidade aprender a lidar e a combater a violência.
Daniel Cara explica que quando se desenvolveu a pesquisa sobre o perfil de violência no Brasil, durante a elaboração do Plano de Segurança Pública, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, o Sou da Paz atuou em parceria com a Polícia Militar e instituições que buscaram conhecer os índices de violência daquele bairro de São Paulo. “A classificação do Jardim Ângela atingiu o nível três da avaliação, situação muito preocupante (os outros níveis eram situação preocupante e situação regular ), o que determinou as ações empreendidas a partir de então – mobilização da comunidade, que motivou a adesão de outras instituições parceiras e, todos juntos, cobraram melhor policiamento”, diz o coordenador.
“O resultado”, afirma Daniel Cara, “foi a queda de 60% nos índices de violência na região antes conhecida como Triângulo da Morte, compreendida pelo Jardim Ângela, Capão Redondo e Jardim São Luiz. O caminho que o Sou da Paz encontrou foi trabalhar o jovem dentro da escola, um espaço de abrangência única, incomparável. A criação e o fortalecimento dos grêmios estudantis foi determinante para que os alunos aprendessem a participar da gestão da escola e a reconstruir o projeto de vida deles”.
Ao participar da vida estudantil, o jovem teve que se posicionar, falar, reivindicar e esse momento revelou, na maioria das vezes, uma pessoa que não sabia se expressar, que não tinha vocabulário. Daniel Cara ressalta que a conquista de vagas no mercado de trabalho está diretamente ligada ao desembaraço e assertividade com que o candidato se apresenta para um emprego, chance que fica comprometida ou lhe é negada por conta das dificuldades de expressão do indivíduo. “Com o trabalho dentro da escola, o vocabulário se potencializa porque o aluno tem que falar, debater, expor idéias e assumir responsabilidades de gestão. Com isso, eles aprendem também a dialogar em outros círculos de relacionamento e a construir um sonho”.
Vera Souza Dantas