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domingo, 10/10/2004
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Primavera: semente de poesia

A flor que és, não a que dás, eu quero. Porque me negas o que te não peço. Tempo há para negares Depois de teres dado. Flor, sê-me flor! Se […]

A flor que és, não a que dás, eu quero.

Porque me negas o que te não peço.

Tempo há para negares

Depois de teres dado.

Flor, sê-me flor! Se te colhêr avaro

A mão da infausta esfinge, tu perene

Sombra errarás absurda,

Buscando o que não deste.

(Ricardo Reis – ode nº 354)

Setembro já se foi levando consigo os primeiros dias da primavera. Estamos certamente mais maduros após vivenciar outro inverno – estação cuja poesia é da safra proveniente dos ares gélidos, convites necessários à reflexão, à introspecção, à convivência mais próxima e calorosa entre as pessoas. O clima frio traz à tona, também, um quê preponderante de mistério, de casulo, de aconchego. Para além da semântica e do léxico, inverno é também sinônimo de saudade e de gestação da poesia. Trata-se de uma época em que o coletivo comumente se recolhe para gerar versos e prosas que, pouco depois, são germinados na estação das flores. Tudo isso para que cresçam no verão e sejam colhidos no outono.

O início de uma estação representa mudança de ciclo, transição, renovação. As antigas civilizações – muito mais sábias e atentas às manifestações da natureza e aos processos que ela desencadeia nos mais diversos setores da vida – comemoravam a chegada do solstício e do equinócio com rituais simbólicos, místicos, cerimônias marcadas pelo compasso do canto, da dança e dos louvores para saudar a mãe terra e todos os benefícios que ela oferece à humanidade, como as plantas medicinais, as flores, os frutos, o calor, a energia, os alimentos, os minerais, a beleza impressionista da fauna e da flora e, enfim, a possibilidade da vida.

Há que se resgatar essa sintonia entre os seres humanos e a natureza, sob pena de, cada vez mais, não compreendermos a riqueza do que vemos à nossa volta. Na primavera estamos prontos para criar, para ousar, para estruturar idéias, delinear novos projetos e ações. O céu azul tem a cor das promessas e dos sonhos que, comumente, hibernam no inverno.

Como educadores, resta-nos compartilhar essas sensações e conhecimentos com nossos aprendizes, semeando sensibilidade em seus corações e mentes. Essa é uma forma de colaborar para a formação de indivíduos mais sintonizados com a beleza da natureza e com os vários espetáculos que o universo nos propicia. Já a associação que propusemos entre a primavera e o poema de Ricardo Reis/Fernando Pessoa nos leva a refletir sobre outro aspecto importante não só na primavera, mas em todas as estações do ano: qual é a nossa flor verdadeira? Que flor representamos para as pessoas à nossa volta? Pensar sobre isso talvez nos traga dúvidas, mas é preciso lembrar que nelas reside uma parte importante da grande graça da existência. Uma graça que pode – só depende de nós – ser bem mais perfumada e poética.