Poucas pessoas no Brasil têm o dom de educar como a escritora Tatiana Belinky. Ela não é professora, mas seus livros, desde muito antes da ditadura militar no Brasil, acabam por ensinar de forma aberta, livre, por meio de uma metodologia que somente agora está sendo encampada como política educacional no País.
Autora de mais de 100 livros infantis, sua obra reflete uma incansável devoção pelas crianças. Projeta a alegria que Tatiana sente em interagir, através de palavras, com os primeiros passos da vida, em provocar descobertas.
Sem que seu intuito seja impor metodologias, é desta maneira que ela entende que os educadores atuais deveriam agir para despertar nos alunos o prazer de ler, estudar, ir à escola, aprender. A receita para atrair a atenção da garotada é simples: bom-humor, brincadeiras, poesia. “Criança quer emoção, não quer chateação”, diz.
Como exemplo, a escritora conta uma conversa recente que teve com uma menina de 7 anos. “Ela me falou que livro que não faz rir, chorar, ter medo, não tem graça nenhuma. Para mim é isso, a história tem de despertar a emoção, com começo meio e fim.”
Mas se enganam aqueles que pensam que as histórias divertidas de Tatiana Belinky são elaboradas com o objetivo de passar alguma mensagem. “Acho que não deve haver moral da história, dedo em riste. A mensagem é a própria criança que tira.” Assim como o próprio hábito da leitura não deve ser imposto. “É preciso que se deixe a criança ler, não se mande.”
Para colorir seus pensamentos, ela se baseia nas frases do professor de Literatura, o francês Daniel Tenac, no início de seu livro “Como um Romance”, da editora Rocco. “O verbo ler não comporta imperativos. Assim como os verbos amar e sonhar”, observa.
E como a escritora vê o atual estágio da Educação no Brasil? “Há escolas, lugares e pessoas que estão conduzindo bem. São abnegados”, diz. Para ela, programas como o da Escola da Família, são positivos. “Qualquer atitude que tire a criança da rua é válida.”
O professor polonês
A arte de escrever para crianças é inspirada em exemplos que Tatiana Belinky jamais se esquecerá. Um dos maiores é o do educador e médico polonês Janus Korszak. Antes da Segunda Guerra Mundial, ele fundara dois orfanatos: um para crianças polonesas, outra para judias, que não podiam sair do gueto, segundo leis discriminatórias impostas pelo governo local.
Enquanto a atmosfera do país exalava ódio, num anúncio de dias de bombardeio que se perpetuariam pelos anos seguintes, o educador praticava a mais pura democracia entre as paredes dos orfanatos. Fazia de suas classes um local de incentivo à criatividade, propagando os conceitos de amor e respeito ao próximo.
Enquanto os tribunais nazistas começavam a praticar seus julgamentos cruéis e sumários, os pequenos órfãos de Korszak eram responsáveis por uma auto-gestão em suas instituições. As próprias crianças “julgavam” as sapequices e mal-criações de seus colegas. Em uma ocasião, o próprio Korszak foi “julgado” por uma atitude que as crianças não concordaram.
Veio a Segunda Guerra Mundial. Por ser judeu, Korszak foi levado para o campo de concentração, juntamente com cerca de 200 crianças de seu orfanato. O médico-educador, entretanto, era respeitado pelas autoridades da Polônia. Graças ao seu prestígio, conseguiram encontrar uma forma de liberá-lo.
Pura ignorância imaginar que ele deixaria suas crianças sozinhas à mercê do terror nazista. Pois ele exigiu permanecer, se recusou a sair, impulsionado por suas convicções, por seus ideais humanos, por sua força interior. E, para acalentar o medo das crianças enquanto se dirigiam à câmara de gás, Korszak marchou e morreu abraçado a elas. “Foi algo patético, trágico, comovente. Ele era um santo”, diz Tatiana Belinky, como se acordasse de um pesadelo. Precedido por um conto-de-fadas.
EUGENIO GOUSSINSKY