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quarta-feira, 04/05/2005
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Como falar de sexo com eles

Juliana Vilas e Rita Moraes (Istoé, edição 1855) Bem-informados, os adolescentes estão cansados do discurso sobre prevenção. Querem falar de sentimentos e sensações Não adianta negar. Aquele bebê cresceu e […]

Juliana Vilas e Rita Moraes
(Istoé, edição 1855)

Bem-informados, os adolescentes estão cansados do discurso sobre prevenção. Querem falar de sentimentos e sensações

Não adianta negar. Aquele bebê cresceu e agora vive às voltas com os amigos – ou mais que isso -, ao telefone ou na internet. As meninas, de barriguinha de fora, desfilam vaidosas sob os olhares dos meninos. Eles, por sua vez, debaixo dos indefectíveis bonés, fazem ar displicente, mas seguem cada movimento dos cabelos de chapinha delas. Os pais podem se assustar, mas não dá para tapar o sol com a peneira. A sexualidade faz parte da adolescência e as experimentações são necessárias para uma vida adulta normal. No Brasil, a primeira relação sexual da garotada acontece cada vez mais cedo. Dados do Ministério da Saúde indicam que entre os meninos a idade média para a primeira vez é de 15,1 anos, enquanto para as meninas é de 14,4 anos. Mas como falar com os adolescentes sobre algo tão íntimo? Alguns pais acham que ao tocar no assunto estarão antecipando o despertar inevitável para o sexo. E, quando se enchem de coragem, vem a surpresa: “Já sei, já aprendi isso na escola.” Bem-informados, boa parte dos adolescentes não agüenta mais o discurso que hoje soa insistente: “Tem que usar o preservativo, não pode transar sem camisinha.” Especialistas dizem que é preciso ir além no diálogo sobre sexo com os filhos, que normalmente se restringe aos métodos contraceptivos e à prevenção. O que eles querem saber exatamente é o que se passa no coração, no corpo e na mente antes, durante e depois da transa. Eles querem falar de sentimentos e sensações.

 

 

 

 

Foi o que mostrou o debate sobre sexo promovido por ISTOÉ com sete jovens de classes sociais diferentes, de 14 a 18 anos. “A gente tem muita informação. O problema é na hora H. Há dúvidas como: será que ela quer mesmo, será que estou forçando a barra?”, diz Vinícius Dantas, 15 anos, aluno do primeiro ano do ensino médio. “Na escola só falam em usar camisinha e isso a gente já sabe. Tem que explicar como é que acontece. Eu gostaria que minha mãe me contasse como foi com ela”, revela Tainá Cristine, 14. No Rio de Janeiro, o estudante André Carvalho, 17 anos, que transou pela primeira vez há dois, considera que os pais lhe deram as informações necessárias sobre prevenção. Vocalista de uma banda de rock e freqüentador assíduo de baladas nas madrugadas, foi nesse cenário que iniciou sua vida sexual, mas sem abrir mão da camisinha. “A gente se vira nas festinhas na casa de amigos, de preferência na cama dos pais”, revela ele.

Progresso – As pesquisas refletem essa conscientização do adolescente. Uma série histórica mostra que em 1986 apenas 9% dos jovens entre 15 e 19 anos usavam preservativos, enquanto hoje 61% deles já aderiram – muito mais do que a média nacional, que é de 53% da população. “Há precocidade na prática sexual mas também há mais preocupação com o uso de preservativos”, ressalta o epidemiologista Pedro Chequer, diretor do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST-Aids) do Ministério da Saúde.

 

 

 

Há também a necessidade de entender exatamente o que é sexo. Para os adolescentes, transar é penetração vaginal. Pesquisa inédita do Centro de Estudos da Sexualidade Humana – Instituto Kaplan, de São Paulo, feita com 792 jovens de 12 a 21 anos, conclui que ainda é preciso esclarecer sobre os riscos de contaminação. O instituto, que há 13 anos orienta e esclarece dúvidas por telefone, recebe até mil ligações por mês no SOSexo (11 5505-4434). O estudo mostra que práticas sexuais que não oferecem risco direto de gravidez são feitas sem a devida prevenção. Do total de adolescentes consultados, 29% dizem não ter transado, mas já ter experimentado contato físico com os dois parceiros nus (31%), masturbação no parceiro (28%), sexo nas coxas (20%), sexo oral (17%) e sexo anal (2%). Se em geral já é difícil falar de sexo, imagine entrar em detalhes. Na verdade, nem é preciso. Afinal, estamos falando de intimidade e os adolescentes também precisam reconhecer o que é isso. Mas pode-se aproveitar a notícia de uma pesquisa como essa para puxar o assunto em casa.

Virginal – Os pais não precisam ficar acabrunhados por não se sentirem à vontade para falar de sexo. “A dificuldade é natural. Os pais que hoje têm filhos adolescentes não tiveram esse modelo em casa.Eles passaram pela revolução sexual, mas ainda não se sentem totalmente à vontade com o tema. Eles podem assumir isso dizendo: fico meio atrapalhado, mas é bom a gente conversar a respeito”, orienta a sexóloga Maria Helena Vilela, presidente do Instituto Kaplan. É importante evitar o interrogatório. Maria Helena chama a atenção ainda para a negação da sexualidade feminina em favor de uma imagem virginal reforçada secularmente. “Os pais esperam que as meninas resistam bravamente ao desejo, mesmo num dia-a-dia de estímulos sensuais e oportunidades de experimentação. Antigamente, a sociedade reprimia o desejo das moças, mas não facilitava. Elas não saíam sozinhas”, diz a sexóloga. Muito diferente do que acontece hoje, quando as meninas vão a danceterias só com amigos da mesma idade, ficam no escuro namorando e freqüentam a casa dos colegas. “Elas têm de sublimar a sexualidade”, diz.

Mudança – Para os adolescentes, assim como para os pais, informação não resulta imediatamente em mudança de comportamento. A ginecologista Albertina Takeuti, coordenadora do Programa de Atenção Integral à Adolescência da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, já atendeu 19 mil jovens de todas as classes sociais de dez a 19 anos em dez anos à frente da Casa do Adolescente (Disk-Adolescente: 11 3819-2022). Ela e sua equipe perceberam que dar informações não era o bastante para que eles se prevenissem. Deixaram de falar só de métodos anticoncepcionais e passaram a trabalhar com emoções e auto-estima. Fazem oficinas de sentimentos, oferecem pronto-socorro das emoções. Há até o curso Beijo de Língua, com aprendizado de inglês e espanhol falando de emoções, de amor, de paixão. Está dando certo. Segundo Albertina, a gravidez no Estado de São Paulo, em meninas de dez a 19 anos, caiu de 148.018 em 1998 para 109.082 em 2003, uma queda de 26%.

A especialista enfatiza que a adolescência é repleta de inseguranças. O menino tem medo de não ter uma boa performance e a menina, de não agradar. Pensar em métodos anticoncepcionais na hora H pode quebrar o clima. “Esta fase é regada de mudanças físicas, psicológicas e sociais. Hoje há uma ditadura da beleza e os meninos também sentem isso. O vínculo infantil com os pais se quebra e eles começam a construir uma nova imagem para a qual precisam de aprovação. A crítica dos amigos tem grande valor”, explica a ginecologista. Também há uma certa pressão. “Um rapaz virgem aos 18 anos acha que tem algum problema. Uma menina com 14 anos que nunca beijou é BV – boca virgem – e se sente excluída”, relata Albertina. Ela conta ainda que o ficar, termo tão usado pelos adolescentes, pode ser só beijo e abraço, mas pode ser também transar. “Quer dizer que é sem compromisso”, diz ela.

Apesar das experimentações e dúvidas, o adolescente deve saber que a iniciação sexual é algo muito pessoal e que, portanto, cada um tem o seu momento certo. É essa a mensagem que 30 alunos da Escola Estadual Vila Ercília Algarve, em Itaquaquecetuba (SP), passam para seus colegas. Eles são multiplicadores de um projeto piloto do governo federal chamado Saúde e Prevenção na Escola, que desde 2003 disponibiliza preservativos para alunos de 14 a 19 anos. Envolver os adolescentes nas oficinas de conscientização garantiu o sucesso da iniciativa. A escola chegou a ter 22 adolescentes grávidas em 2001, número que caiu a zero no ano passado. “Nós falamos a língua deles e usamos músicas para descontrair”, conta Bruna Soares, multiplicadora de 15 anos. Seu colega Diego Francisco Dias, 17 anos, diz como o programa o ajudou. “Eu era muito tímido. Era difícil tocar nesses assuntos. Transei pela primeira vez há um ano e, apesar do medo de falhar, fiquei à vontade”, diz. “No começo, os pais ficaram assustados com o projeto. Depois perceberam que preparar melhor os alunos adia a iniciação. Eles passam a refletir mais, amadurecem a idéia”, aponta a coordenadora pedagógica Cláudia Cristina dos Santos.

Colaboraram: Aziz Filho (RJ) e Felipe Gil.
Agradecimento: Lojas Etna