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sexta-feira, 28/04/2006
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“Viver é desenhar sem borracha”, afirma a secretária de Educação, Maria Lucia Vasconcelos

Entre os pensamentos que a secretária Maria Lucia defende, um é para carregar na agenda: viver é desenhar sem borracha. Por isso, para ela, é fundamental ter consciência do papel […]

Entre os pensamentos que a secretária Maria Lucia defende, um é para carregar na agenda: viver é desenhar sem borracha. Por isso, para ela, é fundamental ter consciência do papel que desempenhamos na sociedade, porque somos a representação daquilo que acreditamos. Suas idéias e convicções, como ser humano e como educadora que sempre foi, estão na entrevista a seguir, que ilustra uma trajetória a serviço do ensino e aprendizagem.

Desafios na Secretaria de Educação – São muitos, principalmente pelo gigantismo da rede, com suas seis mil escolas e mais de cinco milhões de alunos. Um dos maiores desafios é criar políticas que contemplem essa diversidade, que atendam ao geral e, ao mesmo tempo, que sejam específicas. Não adianta pensar que vou reinventar o que já funciona. É uma instituição que tem uma história, essa história tem que continuar, e o meu foco é dar seqüência às ações implantadas. Tudo acontece de forma muito dinâmica.

Escola de Tempo Integral – É um projeto novo, necessário. Não há quem trabalhe com educação que não concorde com a Escola de Tempo Integral, mas insisto com esse aspecto do gigantismo da rede, que pede ajustes pela novidade do projeto. Sonho de todo educador, este é, hoje, um sonho real. Difícil para nós é a barreira do recurso para fazer esses ajustes, mas o mais importante já foi feito, que era começar. Depois que a comunidade se apropria, ela não devolve e não há governo que consiga retirar.

Relação professor/aluno – Não há educação se não transmitimos para o outro a responsabilidade do seu crescimento. A relação entre o professor e o aluno é fundamental para instigar a aprender mais e a entender o quanto isso é importante para sempre. O professor tem que olhar para todos e ter diferentes estratégias, porque a realidade em sala de aula, hoje, não é mais o professor no palco e o aluno como um vaso compondo a cena. É uma relação dinâmica, com papéis que devem ser reinventados dentro dos grupos.

Valorização do professor – Vejo aí uma questão política e uma questão cultural, e penso que quando tivermos políticas voltadas para a independência intelectual, aí teremos uma valorização total da educação.

O educador Paulo Freire – Sou uma seguidora da sua obra e ela norteia meus pensamentos. O cerne da sua filosofia é a valorização do outro. A relação da educação é construída num processo de convivência, onde os atores – o professor e o aluno – percebem um ao outro. E só nos reconhecemos naquilo que valorizamos e, para valorizar o outro, temos que permitir que o outro seja. Penso que o indivíduo se reconhece no outro quando tem consciência de que ele é incompleto; como sei que posso me completar, eu posso sempre me reformular.

Ser professor – Adoro ser professora. A sala de aula é o melhor espaço para a troca constante, é o que estimula e obriga a estudar, a buscar novidades, porque se o professor não se atualizar, o aluno traz a informação. Claro que o professor não sabe tudo, até porque ninguém detém o conhecimento universal, e quando ele não souber deve dizer. A postura do educador tem que ser natural e assim ele deve ser em tudo o que faz, seguro de que suas opiniões são válidas e entendendo que o aluno pode ter opinião diferente da sua.

Família – Quando se consegue trazer a família para dentro da escola é certeza de somar sempre, mas não é fácil ter a participação dos pais na comunidade escolar, porque a vida moderna é muito corrida. Mesmo nas cidades do interior é assim. A escola, por sua vez, tem que estar sempre aberta para receber a família.

Disciplina – É importante conceituar o que é disciplina, porque o que é indisciplina para um professor não é para outro. O aluno estático, por exemplo, não é necessariamente o melhor aluno. A disciplina, a meu ver, pressupõe limites, porque quando isso se perde fica difícil. É preciso ficar claro que a autoridade na sala de aula é o professor e ele precisa estabelecer regras, algo como um contrato entre ele e o aluno, deixando claro como cada um vai se comportar. O contrato tem que valer para os dois lados. Se o professor falta, chega atrasado, atende celular em sala de aula ele não está cumprindo aquele contrato. Ou se é o tipo de professor que põe o aluno para fora de classe com muita freqüência, ele está delegando ao outro a sua autoridade. Por mais que o educador seja jovem ou novo na escola, ele tem um papel profissional, ele é o professor. Se tudo isso ficar claro para as diferentes funções, tudo caminha para um resultado mais positivo.

Administrar – Eu entendo que administrar tem que ser um misto, uma combinação. Penso que muito da capacidade de administrar está no feeling, no seu modo de ser e em saber conduzir pessoas para objetivos comuns.

Deixar uma marca – O tempo é curto, mas é suficiente para fazer algo. Uma semana antes de assumir a Secretaria de Educação, fui apresentada aos 90 dirigentes de ensino da rede e disse a eles que nove meses é o tempo para gerar uma vida. Fazemos um filho em nove meses e esta é a coisa mais fantástica. Dentro desse raciocínio, por que não posso fazer algo nesse tempo? A imagem que eu gostaria de passar é de seriedade, de responsabilidade, porque tenho certeza que não vim aqui a passeio.

O poder da palavra – O instrumento do professor é o discurso, é a fala. Por isso, é fundamental que ele esteja atento ao que diz e como diz. Sou a representação daquilo que acredito e tenho que ter consciência disso. A palavra é um instrumento sem volta e uma vez lançada, o outro passa a dominar. O professor tem que ser mais responsável pelo que diz e pelo que faz; ele é um agente educativo e sua fala é o seu instrumento. O aluno se informa onde ele quiser, mas quem o forma sou eu, como educadora que sou.

Novas tecnologias – São indispensáveis no mundo de hoje, especialmente porque falam a linguagem do nosso aluno, mas isso não é o mais importante, não é para superestimar. O professor tem que dinamizar suas aulas, envolver melhor a turma porque o aluno tem um excesso de informações, visuais inclusive. Mas variar recursos não é torná-los prioritários e, sim, facilitadores do procedimento didático. O professor não pode fechar os olhos às novas tecnologias, tem que se capacitar e acompanhar a linguagem do seu aluno, porque ele se recicla e o professor envelhece.

Educação e liberdade – A liberdade se constrói quando conhecemos o ambiente em que estamos inseridos e as possibilidades que esse ambiente nos oferece ou nega. Se a pessoa tem consciência do seu papel, ela não vai se tolher.

Dia da Educação – É como o Dia da Mulher, Dia das Mães. Têm que marcar no calendário porque são figuras importantes, mas não são valorizadas. Eu diria ao aluno: aproveitem a oportunidade de aprendizagem, nem que seja para um dia dizer que não valeu a pena. Quando se faz a crítica da escola, não se pode negar que ela sempre acrescenta. Nem que seja o exercício dos papéis sociais. É uma convivência que se aprende sem saber. Eu digo que viver é desenhar sem borracha. Aos pais, que apóiem a escola nas suas empreitadas e o aluno no seu esforço. Reforcem o que ele aprendeu, se entusiasmem, porque o melhor lugar para o seu filho estar é a escola.